segunda-feira, 26 de julho de 2010

Morrer é bom?


Desde pequena, Melissa sempre foi uma criança muito meiga e radiante, tinha a capacidade de fazer as pessoas que viviam ao seu redor se sentirem confortáveis e alegres, apesar de apresentar uma doença que estava acabando com sua vida aos poucos. A leucemia. Na verdade, Melissa nunca soube o que realmente estava acontecendo, todas as vezes que ia acompanhada de sua mãe, Dona Sarah, aos exames e à quimioterapia, não tentava esconder a sua expressão de dúvida.
Era em uma sexta-feira nublada quando Sarah recebeu a pior notícia de sua vida. Foi chamada pelo médico responsável pelo tratamento de Melissa que foi breve, porém, cuidadoso para que Sarah não sofresse tanto. Eram os últimos dias de vida da menina de sete anos. O tratamento não estava fazendo efeito e não havia mais nada a fazer. Apenas esperar, até a morte chegar de viagem.
Sarah chegou abalada em casa, deixando lágrimas escorrerem de seu rosto. Melissa, questionando o porquê de tanta tristeza, não recebia respostas. Mas sentia, que todo aquele sofrimento era por causa dela. A menina então, juntou as duas mãos e rezou, rezou, até dormir...
- Melissa meu amorzinho, acorde, tenho algo para mostrar à você.
Abrindo os olhos com dificuldade e sentindo sua fraqueza, Melissa percebeu que sua mãe tinha uma enorme caixa em mãos e que esboçava um sorriso em sua face.
- O que é isso mãe? - perguntou a criança com um tom de curiosidade em sua voz.
- O que está dentro disso minha filha, é toda a sua vida.
- Toda minha vida mãe? Como pode caber toda a minha vida dentro desta caixa?
A mãe deu um pequeno riso e abriu a caixa misteriosa. Curiosa, Melissa sentou na cama com cuidado e ficou encantada com tudo que viu ali dentro. Realmente, sua vida estava guardada lá. Todos os seus brinquedos, todas as suas roupas de quando ainda era um bebê estavam muito bem organizados dentro da caixa, inclusive sua primeira mamadeira. Sua mãe lhe explicou que todos nós deveríamos ter uma caixa para guardar nossos melhores momentos. Assim, quando não estamos bem, abrimos a caixa e revivemos todos aqueles momentos bons, nem que seja por alguns minutos.
- Mamãe, então estamos passando por algum momento difícil?
- Não minha filha, só achei que estava no momento certo para lhe explicar e mostrar tudo isso. - a mãe mentiu, tentando impedir o choro, que por infelicidade, deixou escapar uma única lágrima.
- Por acaso você está chorando mãe?
- Não filha. - Sarah então, passou a mão na cabeça de Melissa, fechou a caixa e a pôs em um canto e saiu do quarto deixando fluir as lágrimas que tanto lutou para segurar.
Mas Melissa não era daquelas que se deixa enganar facilmente, ela sabia que algo, dentro dela, não estava bem.
Dias se passaram e Melissa se sentia cada vez mais fraca, não conseguia mais se sentar à cama para rever junto com sua mãe os objetos guardados na caixa, que lhe faziam tão bem. Durante as noites, Melissa também percebia que sua mãe se sentava na cadeira de balanço e ficava ali, até adormecer. A menina se sentia tão mal por estar fazendo sua mãe sofrer tanto, que chegou pedir aos céus para que lhe levassem, e acabassem com esse sofrimento logo. E isso não demorou muito...
Tudo aconteceu em uma noite bastante fria, alguns dias antes do inverno. Naquela noite, Sarah não dormiu no quarto da menina e isso fez com que ela se sentisse mais culpada. Mas eu fui rápida e muito cuidadosa. Não, não sou a morte e não sou feia e horripilante quanto ela. Quando chego, os humanos costumam me confundir com fadas e se encantam tanto que não é complicado convencê-los a irem comigo. E foi justamente isso que aconteceu com Melissa.
A menina me viu saindo da caixa onde a vida dela estava guardada e em um primeiro momento ficou assustada. Tentou gritar, mas não adiantou. Ofereci minha mão para que ela me acompanhasse e ficou surpresa quando percebeu que havia conseguido levantar da cama, onde não conseguia à dias. Estendeu sua mão que se uniu à minha, e, pela última vez, olhou para trás, e viu seu miúdo corpo encolhido na cama. Esperei, até que sua atenção voltasse para mim, e a levei, em direção àquela caixa, onde seria a porta de entrada para a sua nova vida.
Finalmente, o desejo que consumia aquela menina naqueles últimos dias havia se realizado. Deixar o mundo onde viveu por sete anos e fazer com que a sua mãe seguisse a sua vida livremente, sem que ninguém impedisse. Nem a própia Melissa.

Pauta para a Edição Visual - Projeto Bloínquês

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